terça-feira, 28 de junho de 2016

Resenha de John Long - Stand Your Ground



John Long toca o blues daquele jeito que você esperava ouvir lá na década de 40 ou 50. É o blues ainda tradicional vivo, respirando e pulsando. No blues de John Long você sente a cada nota o espírito do Delta blues, de Son House, Bukka White e Robert Johnson, e o Chicago Blues de mestres como Muddy Waters e Sonny Boy Williamson.  Nascido em 1950, em St. Louis, no Missouri, John Long teve a oportunidade de ter convivido com alguns desses mestres nos seus anos formativos, na década de 70, mudando para Chicago; um deles, um tal de Muddy Waters, chegou a falar de John Long nos seguintes termos: “John Long is one of the best young country blues artists today”; outro, chamado de Homesick James, tido por Long como seu pai adotivo, foi o seu grande mentor e amigo. Apesar de tão gabaritado, a carreira em estúdio de John Long é pequena: em 2006, a gravadora Delta Groove Music lançou seu primeiro disco de alcance nacional, Lost and Found, que atraiu grande atenção e sucesso de crítica. Apesar de bem sucedido, levou nada menos que dez anos para Jonh Long dar sequência a sua carreira, lançando em maio Stand Your Ground, pela mesma Delta Groove Music, conseguindo ainda superar a qualidade que havia deixado no seu primeiro registro.  Através de oito músicas autorais e cinco covers, John Long vai muito além de apenas gravar um álbum de blues tradicional, mas seu estilo lírico e abordagem vocal toca muito profundamente regiões da nossa alma. 

O álbum começa com “Baby Please Set A Date”, com acompanhamento de bateria, piano e cheio de slides no violão amplificado, bem característico de seu estilo. “Red Hawk” já é uma dos destaques do disco, principalmente a voz e o estilo Delta de John Long. A letra também é bastante interessante, que fala sobre o falcão vermelho, em extinção, símbolo bastante forte no xamanismo da população nativa da América, vítima de caçadores. John Long apela para a permanência do espírito do Falcão Vermelho, para continuar voando com todo seu poder místico. A faixa seguinte, “Things Can’t Be Down Aways”, com Long liderando na gaita, diz que temos que parar de ficar por aí pra baixo e mudar, tomarmos alguma posição, porque em algum momento as coisas melhoram, dias melhores acabam aparecendo. Puro blues: vamos tentando que algum dia a gente para de se dar mal. “Stand Your Ground”, faixa que dá título ao trabalho, segue nessa linha e diz para nos impormos, não aceitarmos as pessoas nos dizendo o que fazer e tomarmos cuidado com os diabos vestidos de ovelha “when the Devil comes ’round in sheep’s clothing / Stand Your Ground, stand your ground / don’t you let nobody push you around”. 

Em “Welcome Mat”, mais uma enraizada no mais puro Delta blues que você encontra por aí hoje, alerta pra aquelas que tiram vantagem do companheiro(a), mas caminham em gelo fino. A seguinte, “No Flowers For Me” é de arrepiar; a letra fala do narrador enfrentando a morte e pedido que seus filhos que ao invés de comprar flores para ele doem a dinheiro para algum fundo de pesquisa para curar a doença de Parkinson. Cada estrofe de despedida é um aperto no coração. Belíssima. “Well, I’ve been shaking, i’ve been hurting, and someday soon my body will be set free”. O nível continua altíssimo com “One Earth, Many Colors”, mais rítmica, que é uma grande conclamação para o respeito e a celebração da diversidade da espécie humana em suas mais diferentes formas: “open your heart and mind / one earth, many colors, for one human kind”. Mensagem muito necessária nesses dias de hoje, cheio de fronteiras ideológicas, de raça, religiosas e sociais, que parecem ultimamente caminhar de volta ao passado, aumentando o abismo entre as diferenças. “Healin’ Touch”, que já estava presente no seu disco Lost And Found, de 2006, recebe uma abordagem ainda mais minimalista. 

A parte final do disco guarda ainda duas belas covers tradicionais do gospel, “I Know His Blood Can Make Me Whole” e “Precious Lord, Take My Hand”, e que recebem um tratamento especial por John Long e ainda uma dos maiores destaques do disco que até aqui já havia sido de grande qualidade, “Climbing High Mountains”; esta última, que contém basicamente John Long na gaita e o pé ditando o ritmo, é sobre a luta diária, a batalha para escalar uma montanha a cada dia para voltar pra casa, chamando palavrões, tomado de frustração. Mais uma belíssima.  

O que John Long nos mostra em Stand Your Ground é que o blues não tem tempo, pois um blues cujos mestres remetem às fases pré-guerra ainda soa tão atual e ambientado aos novos tempos, com nossos sentimentos, nossas preocupações com a morte, nossas batalhas diárias pela sobrevivência. Sem dúvida, até este momento, ocupa confortavelmente a posição de melhor álbum de blues do ano.


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